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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Usos e abusos de eletrônicos nas mãos de crianças e jovens

 

Por: Simaia Sampaio

O Profissão Repórter de ontem trouxe um alerta aos pais sobre os abusos do uso de aparelhos eletrônicos entre crianças e jovens. O que podemos refletir sobre esta reportagem? O que já está diante dos nossos olhos e que ninguém quer enxergar: os jovens estão entrando num mundo sem volta, e os pais não estão se dando conta deste comportamento porque pensam mais na vaidade dos filhos, já que querem oferecer o último modelo de celular, para que não se sintam diferentes dos seus pares.

A reportagem foi muito clara quanto à falta de controle dos pais que estão criando verdadeiros monstros cibernéticos e ajudando a alimentá-los. A reportagem trouxe a lamentável declaração de uma mãe revelando a agressividade do filho para com ela, e a conduta destrutiva sobre si e sobre os móveis do quarto sempre que a mãe ameaça tirar seu computador. Vi um grande problema ali porque ela ameaça, mas entrega o aparelho de volta, mostrando completa falta de autoridade e de controle. A mesma mãe mostra-se submissa a este filho quando pergunta: você pode agora ir colocar água na geladeira? Pode parar um pouco? (era a tarefa da criança já pré-combinado, mas ele como sempre no computador, não a ouviu). Onde está o erro? A mãe pergunta não manda. O que está acontecendo com os pais desta geração? Desaprenderam ou nunca aprenderam a dar uma ordem ao filho? Não aprenderam que a casa é deles e que, portanto os filhos moram de favor e que não podem mandar na casa? O que temem? O que acham que irão perder? Limites também podem ser dados simultaneamente a carinhos e afetos, mas os pais parecem desconhecer isto.

Os pais trabalham fora e no intuito de ter sossego ao chegarem do trabalho, permitem que seus filhos fiquem no computador, tablet, celulares e tudo mais que puder prender a atenção e deixarem estes pais sossegados. Estes são efetivamente inconsequentes, sem noção e que estão criando jovens problemáticos, viciantes, desrespeitosos, desatentos e desestimulados nos estudos. Vão aos consultórios de psicologia e psicopedagogia dizendo que o filho está com dificuldade de aprendizagem e que não consegue se concentrar e perguntando se é TDAH e se a solução é tomar Ritalina (já chegam com o diagnóstico na ponta da língua). Ao avaliarmos é uma criança bastante inteligente, mas com poucos recursos de conhecimento e estratégias metacognitivas porque preferem passar horas no facebook ao ler livros ou revistas, permanecendo com o conhecimento limitado e restrito ao que é cobrado pela escola. É percebido que o tempo que ficam no facebook rouba consideravelmente o tempo dos estudos.

O mais impressionante foi ver como as escolas estão lidando com esta situação. Uma libera os eletrônicos inclusive na sala de aula alegando que é em prol da educação e que vai fazer um link com a aula. Várias crianças estão com celulares e tablets nas mãos, mas a repórter flagra na sala de aula, um jogando, outro conversando online e o professor por fora de tudo. Outra escola um pouco mais sensata, não permite a entrada dos eletrônicos em sala de aula, mas os alunos podem utilizar nos intervalos, e nestes momentos correm para o armário para pegar seus celulares, ou seja, ficam na sala de aula, pensando nas postagens do facebook e desejando ansiosamente que a aula termine para ir checar suas mensagens. E uma outra escola, muitíssimo sensata, proíbe o uso de eletrônicos em sala de aula, e coloca professores na hora do intervalo para fazer recreação com as crianças e resgatar as velhas brincadeiras de pular corda, ganhar figurinha no bafo etc e felizmente aí vi que nem tudo está perdido, porque pelo menos as crianças ainda conseguem envolver-se nas brincadeiras. Mas e os jovens? Vi um jovem afirmar que vai diariamente para a Lan House, que gasta R$ 100,00 por dia e, portanto R$ 3.000,00 por mês e que já furtou para conseguir este dinheiro. E o que fazer com esta faixa etária?

Pais estão buscando ajuda para filhos viciados, que estão deixando de estudar porque seus pais não conseguem ter controle, não conseguem impor limites. A maioria não possui dificuldade de aprendizagem alguma, nem transtorno de aprendizagem algum, mas apresenta um transtorno sério de dependência eletrônica, cujo vício poderia ser sanado se os pais estivessem mais atentos desde cedo, se limitassem o uso do computador e oportunizassem outras formas de lazer.

Diante disto passei a observar também os nossos comportamentos enquanto adultos nas redes sociais. Estas são utilizadas de diferentes maneiras por cada um, mas percebo cada vez mais que sequer a maioria consegue ficar dois dias sem visitar sua página no facebook. Elas são utilizadas como desabafo de insatisfações amorosas, desabafo de falsidade entre amigos, comunicar o que está fazendo de hora em hora (e o pior é que há gente de plantão para ler e incentivar), outros trazem reflexões importantes, outros utilizam como meio de partilhar informações profissionais, enfim, as possibilidades são variadas, mas no final das contas acabamos mesmo é conhecendo o perfil destas pessoas por suas postagens, já sabemos até a página de quem podemos encontrar coisas úteis para compartilhar e as páginas de quem nem vale a pena olhar.

Mas o maior problema é o exemplo que os pais estão dando aos filhos com este comportamento. Não raro recebo, em consultório, crianças que me revelam: “minha mãe não brinca comigo só fica no facebook conversando.” Estas mães deveriam estar cuidando de estabelecer vínculos mais fortes com estes filhos, promovendo momentos de conversa, forçando até estes momentos porque muitos jovens esquivam-se, e depois será muito difícil resgatar este vínculo e confiança.

Posso afirmar, sem medo de errar, que muitos problemas de aprendizagem que as crianças apresentam hoje advém da desestrutura familiar, falta de atenção dos pais. Está existindo um equívoco muito grande do conceito “dar atenção”. Muitos acreditam que dar atenção é comprar um brinquedo novo, dar o tablet que o filho quer, deixá-lo jogar horas a fio. Estes pais estão alimentando um vício tão pernicioso quanto as drogas, e que irá custar muito caro: distanciamento, isolamento, depressão e muito provável transtornos de conduta, despesas com terapeutas, com medicações.

Estejam atentos, portanto, ao tempo que vocês passam no facebook e que é presenciado por seu filho, estejam atentos ao tempo que seu filho passa na internet jogando, estejam atentos se sua única brincadeira com seu filho é assistir televisão e jogar no vídeo-game, estejam atentos se seu filho fica mais olhando para o celular do que conversando com você, estejam atentos se seu filho passa mais horas querendo ficar no quarto, no computador, do que saindo com os amigos.

ESTEJAM ATENTOS E REFLITAM SEMPRE.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Stanislas Dehaene : “A neurociência deve ir para a sala de aula”

O cientista condena o construtivismo como método de alfabetização e diz como os estudos com cérebro podem ajudar disléxicos a ler

Publicado na revista Época

Uma das tarefas comuns da ciência é desvendar a complexidade por trás de atividades aparentemente simples. O matemático e neurocientista francês Stanislas Dehaene dedica-se a decifrar as mudanças cerebrais causadas pelo ato de ler. Para ele, a leitura moldou o cérebro humano e preparou-o para assimilar habilidades impossíveis de ser aprendidas por iletrados. Em seu livro Os neurônios da leitura (Editora Penso, R$ 71), ele afirma que o conhecimento do impacto da leitura no cérebro pode melhorar métodos de alfabetização para crianças e dá exemplos de como esse conhecimento tem auxiliado pessoas com dislexia. E mais: Dehaene diz que a pedagogia do construtivismo, altamente disseminada no Brasil, pode ser ineficaz para o ensino da leitura.

NEURÔNIOS  EM ATIVIDADE O neurocientista  Stanislas Dehaene em  congresso na França.  Há 20 anos, ele estuda  o impacto dos números  e das letras no cérebro  (Foto: divulgação)NEURÔNIOS EM ATIVIDADE


O neurocientista Stanislas Dehaene em congresso na França. Há 20 anos, ele estuda o impacto dos números e das letras no cérebro (Foto: divulgação)

ÉPOCA – O que suas pesquisas sobre o impacto da leitura no cérebro revelaram?
Stanislas Dehaene – Constatamos que nosso cérebro aprendeu a ler a partir de uma reciclagem dos neurônios. Isso quer dizer que neurônios usados na leitura antes eram empregados em outro tipo de tarefa. Nosso cérebro de primata não teve tempo de amadurecer para aprender a ler. A leitura só foi possível porque conseguimos adaptar os símbolos a formas já conhecidas há milhares de anos. Diferentemente do que disse John Locke, nossa cabeça não é uma página em branco pronta para aprender qualquer tipo de coisa. Esse é um exemplo de como a cultura se adaptou às possibilidades de nossa mente. Concluímos que a leitura despertou em nosso cérebro a capacidade de perceber diferenças sutis e aumentou nossa capacidade de memorizar informações. É interessante observar que o cérebro mobiliza a mesma área para a leitura de qualquer idioma. O processamento da leitura do chinês ou do hebraico, da direita para a esquerda, acontece na mesma região que decodifica o inglês, o francês e o português.

ÉPOCA – O senhor disse que a leitura usou uma parte do cérebro antes destinada a outras funções. Que funções eram essas e o que aconteceu com elas?
Dehaene –
Antes de aprendermos a ler, usávamos essa parte do cérebro para reconhecer formas de objetos e de rostos. Se você escanear o cérebro de pessoas que não leem e comparar com as alfabetizadas, a identificação de rostos para as iletradas mobiliza uma parte maior do cérebro que a mesma função nas alfabetizadas. Existe certa competição de competências na mesma região do cérebro. É como se ele tivesse de abrir espaço para a leitura.

ÉPOCA – Isso quer dizer, nesse exemplo, que o cérebro letrado passou a usar um número menor de neurônios para a mesma função? Isso tem impacto na qualidade da função?
Dehaene –
Não temos provas científicas de que ocorra perda de competência. Um mesmo neurônio pode ter um número desconhecido de sinapses, de acordo com o estímulo do ambiente. Mas essa é uma suposição lógica. Afinal, temos de dividir um mesmo número de neurônios em várias atividades. Nosso grupo de pesquisas na Amazônia mostrou que o cérebro de pessoas que não leem tem habilidades relacionadas à noção espacial e de matemática muito avançadas. Não temos dados científicos que provem que eles sejam melhores nessas tarefas porque não leem. Mas essa é uma possibilidade.

ÉPOCA – De que forma suas descobertas podem auxiliar no processo de educação?
Dehaene –
Verificamos, por meio de várias experiências, que o método mais eficaz de alfabetização é o que cha-mamos fônico. Ele parte do ensino das letras e da correspondência fonética de cada uma delas. Nossos estudos mostraram que a criança alfabetizada por esse método aprende a ler de forma mais rápida e eficiente. Os métodos de ensino que seguem o conceito de educação global, por outro lado, mostraram-se ineficazes. (No método global, a criança deve, primeiro, aprender o significado da palavra e, numa próxima etapa, os símbolos que a compõem.)

Jogos simples de leitura, de rimas e de troca de sons podem ajudar crianças com dislexia a ler

ÉPOCA – No Brasil, o construtivismo, que segue as premissas do método global para a alfabetização, é amplamente disseminado. Por que os sistemas que seguem o método global são ineficazes?
Dehaene –
Verificamos em pesquisa com pessoas de diferentes idiomas que o aprendizado da linguagem se dá a partir da identificação da letra e do som correspondente. No português, a criança aprende primeiro a combinação de consoantes e vogais. A próxima etapa é entender a combinação entre duas consoantes e uma vogal, como o “vra” de palavra. Essa composição de formas, do menor para o maior, é feita no lado esquerdo do cérebro. Quando se usam metodologias para a alfabetização que seguem o método global, no qual a criança primeiro aprende o sentido da palavra, sem necessariamente conhecer os símbolos, o lado direito é ativado. Mas a deco-dificação dos símbolos terá de chegar ao lado esquerdo para que a leitura seja concluída. É um processo mais demorado, que segue na via contrária ao funcionamento do cérebro. Num certo sentido, podemos dizer que esse método ensina o lado errado primeiro. As crianças que aprendem a ler processando primeiro o lado esquerdo do cérebro estabelecem relações imediatas entre letras e seus sons, leem com mais facilidade e entendem mais rapidamente o significado do que estão lendo. Crianças com dislexia que começam a treinar o lado esquerdo do cérebro têm muito mais chances de superar a dificuldade no aprendizado da leitura.

ÉPOCA – É possível quantificar esse atraso de leitura que o senhor menciona?
Dehaene –
Quanto mais próxima for a correspondência da letra com o som, mais fácil para um indivíduo automatizar a ação de ler. Português e italiano são idiomas muito transparentes, pois cada letra corresponde a um som. Inglês e francês são línguas em que a correspondência de sons pode variar bastante. Pesquisas mostram que, ao ter aulas regulares, todos os dias, na escola, a criança leva dois anos a mais para dominar o inglês que para dominar o italiano.

ÉPOCA – É possível identificar diferenças no cérebro de quem consegue ler palavras e frases, mas tem dificuldade na interpretação de textos (no Brasil, eles são conhecidos como analfabetos funcionais) em relação a alguém que lê e interpreta o conteúdo com fluência?
Dehaene –
Não identificamos isso em pesquisa de imagens. Mas a dificuldade que algumas pessoas têm de interpre-tar o que leem ocorre basicamente porque elas ainda não automatizaram a decodificação das palavras. Decodificar pede esforço para quem não tem essa função bem desenvolvida. Isso mobiliza completamente a atenção e os es-forços de quem está lendo, a ponto de não conseguir se concentrar na mensagem. A solução para melhorar a in-terpretação de texto é automatizar a leitura. Por isso, é importante que crianças pequenas leiam de forma regular até que isso se torne uma rotina. As crianças começam a interpretar textos com eficiência depois que a leitura se torna um processo automatizado.

ÉPOCA – Aprender a ler partituras tem o mesmo efeito para o cérebro que ler palavras?
Dehaene –
As áreas do cérebro usadas para ler letras não são exatamente as mesmas usadas para decodificar mú-sica. Não há muitos estudos sobre a parte cerebral usada no aprendizado de música. Mas há diversas pesquisas sobre o efeito da música na vida das crianças. Crianças que aprendem música desenvolvem habilidades escolares avançadas, especialmente no domínio da leitura. Elas têm mais facilidade para se concentrar. Aprender música aumenta os níveis de inteligência (Q.I.). Aprender música é uma forma excelente de desenvolver o cérebro, espe-cialmente o de crianças.

ÉPOCA – Pessoas com dislexia leem de forma diferente ou apenas mais devagar?
Dehaene –
Pessoas com dislexia tendem a ter problemas com a conexão entre letra e som. É muito difícil para elas entender essa ligação. Em parte, porque não podem distinguir muito bem as diferenças dos sons da língua. Elas têm problemas com fonologia. Não com o som de letras como a, b, c e d. Mas com o som da linguagem, como dã, bã e pã. Há diferentes tipos de dislexia. Há pessoas que têm dificuldade em enxergar as letras em determinados lugares da palavra ou em visualizar símbolos específicos. O que os disléxicos têm em comum é a dificuldade em criar o mapa dos símbolos e dos sons.

ÉPOCA – Sua pesquisa pode ajudá-los de alguma forma?
Dehaene –
Antes não era óbvio que a maioria dos disléxicos tinha problemas com os sons da linguagem. Agora que sabemos disso, começamos a trabalhar com jogos de reabilitação com ótimos resultados. É possível ajudar as crianças com dislexia com jogos de leitura, de rimas ou brincadeiras de mudar sílabas. Pode-se brincar de trocar o som de “bra” de Brasil por “dra” ou “pra”. Vimos que brincadeiras orais fáceis têm facilitado o aprendizado.

ÉPOCA – Que resultados esse tipo de exercício já produziu?
Dehaene –
Constatamos com exames de imagem que partes do cérebro não usadas em pessoas com dislexia passam a ser exercitadas com esse tipo de atividade. Isso as ajuda a perceber os sons da linguagem, o que é muito importante para o aprendizado da leitura. Para surtir resultados, é importante aplicar esses jogos todos os dias, de forma intensiva.

ÉPOCA – Se o cérebro dos disléxicos é organizado de forma diferente, isso sugere que eles possam ter outras habilidades que alguém sem a dislexia não tem?
Dehaene –
Essa é uma questão interessante. Assim como há a possibilidade de perdermos algumas habilidades quando aprendemos a ler, existe a possibilidade de o cérebro disléxico ter facilidade com algumas áreas. Ainda faltam pesquisas para podermos constatar isso. Mas estudos sugerem que o senso de simetria do disléxico pode ser mais desenvolvido, e isso ajuda em matemática. Sabemos que há muitos disléxicos que podem ser bons em matemática. Estudos sugerem que eles podem enxergar padrões sofisticados com mais facilidade.

ÉPOCA – Pode haver gênios em matemática que não sabem ler?
Dehaene –
Isso é algo muito, muito raro. Pode haver pessoas iletradas muito boas em cálculos. Mas elas não serão gênios em matemática sem ler. Para avançar em matemática, a pessoa precisa entender diferenças sutis num nível muito sofisticado. É justamente a percepção dessas diferenças sutis que a leitura ativa no cérebro. Ler é uma habilidade extraordinária que pode transformar o cérebro e prepará-lo para outros níveis de aprendizado. Não dá para ir muito longe sem leitura.

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