"Há três métodos para ganhar sabedoria: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais fácil; e terceiro, por experiência, que é o mais amargo." Confúcio

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quarta-feira, 1 de junho de 2011

A repetência escolar: de quem é a culpa?

Izabel Sadalla Grispino *


O cenário da educação brasileira é sombrio, não só pela baixa qualidade do ensino, como pelo grande número de evasão e repetência dos alunos. Pobreza e métodos ineficazes de aprendizagem resultam em aluno fora da escola, levando com ele a escuridão e a eterna dependência. Sobre a América Latina, dados da Unesco de 1997 mostraram, entre nós, um elevado grau de repetência na 1.ª série do 1.º grau (54%), superando Colômbia (43,8%), Bolívia (38,4%), Peru (29%), Equador (28,2%) e Paraguai (27,6%). Também, o Brasil revelou um grande percentual de alunos que demoravam para concluir as quatro primeiras séries: 8,2 anos, em média, contra 6,5 anos no Peru, 6,3 anos no Paraguai, 6,2 anos na Colômbia e Equador e 4,8 anos na Bolívia.

O grau de repetência revela o grau de cultura dos diversos povos e o descaso que foi dado à educação nesses países, porque repetência também é resultado da conjuntura socioeconômica-cultural do país. No Brasil, além das causas inerentes a essa conjuntura, permanecia a arraigada cultura da repetência. No passado, ainda não muito distante, o melhor professor era aquele que mais reprovava, quando, hoje, sabemos que o que lhe faltava era um bom método didático-pedagógico, um trabalho mais apurado no seu senso de relacionamento interpessoal. A repetência não deixa de ser ponto negativo tanto para o aluno quanto para o professor. Ela revela deficiência estrutural, ocorre, principalmente, quando o aluno foi pouco estimulado, quando a escola não conseguiu ensiná-lo a aprender, a transformá-lo em estudante. A repetência é indicada em casos de imaturidade, quando a criança precisa de um tempo maior para compreender conceitos básicos. O ritmo em que o aluno aprende é importante na aquisição do conhecimento.

O princípio fundamental da educação é dar uma boa formação ao aluno, tanto no aspecto cognitivo, como no aspecto comportamental. A escola sempre discutiu a necessidade de se proporcionar ao aluno uma boa base, para que ele pudesse prosseguir estruturado em seus estudos. Esse critério de base continua, o que muda é o conceito da base, a maneira de adquiri-la. A base não se sustenta, como anteriormente se acreditava, pelo amontoado de conhecimento, adquirido pela teorização, pela memorização. Sustenta-se pelas vias de aquisição do conhecimento, ou seja, pelo desenvolvimento das competências cognitivas de caráter geral, levando o aluno a pensar, a criar, a criticar, a agir, a se tornar uma cabeça pensante. O que precisa mudar é a característica da aprendizagem; que ela seja prática, que dê ao aluno a oportunidade de elaborar, criando um verdadeiro processo de construção do conhecimento. O conhecimento teórico é apenas complementar, afinal, adquirimos conhecimento para intervir na realidade. No construtivismo, o professor leva o aluno a vivenciar as situações, a redescobrir o mundo pelo próprio esforço e iniciativa, a redescobrir seus princípios, suas leis de funcionamento.

Entrosando-se no método construtivista, o aluno vai desenvolver habilidades, vai assimilar conceitos, e estes, no momento preciso, vão suprir, com vantagem, o conhecimento deixado para trás.

Junto à metodologia, propõe-se que a escola passe a cultivar a filosofia do sucesso, que abrace a idéia de que ela é lugar de inclusão e não de exclusão. Quer-se uma escola com o objetivo centrado na aprendizagem, não no ensino. Uma escola que encontre o caminho da aprendizagem, que trabalhe e considere as diferenças individuais, que estabeleça e respeite, na avaliação, os padrões de máximo e de mínimo, conforme o potencial de cada um. Abordagem esta, facilitada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que dá liberdade às escolas inovarem, para fazer o aluno aprender.

Várias metas foram traçadas pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo com a finalidade de evitar a repetência, quais sejam: o programa de aceleração da aprendizagem, destinado a alunos com defasagem idade/série, no qual o aluno cumpre o currículo de dois anos em um; o programa especial de férias, com aulas de recuperação que valem como oportunidade para o aluno passar de ano; o sistema de matrícula por dependência e a formação do ensino fundamental em ciclos, em que não há reprovação anual. O aluno só pode ser reprovado no fim de cada ciclo. A escola deve, ainda, oferecer ao aluno, durante o ano, um programa de recuperação continuada.

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, em 1998, introduziu a progressão continuada no ensino fundamental, o sistema de ciclos, que praticamente extingue a repetência. Contudo, se a repetência diminuiu, o ensino piorou e muito.

“Os Parâmetros Curriculares Nacionais” (PCN), abordando conteúdos variados e atualizados, propondo, ao lado do currículo formal, o currículo oculto – em que se considera a realidade vivida pelo aluno – adotando práticas estimuladoras da aprendizagem, contribuem, quando bem aplicados, a reduzir as taxas de evasão e repetência. Estas medidas, contudo, embora salutares, são paliativas, visto que o fulcro da questão reside na deficiente formação docente e nas precárias condições em que o ensino se processa.

Se a escola vai contribuir com a democratização do ensino, lutar para manter em seu recinto alunos das mais diferentes camadas sociais, deve tornar-se mais significativa, programar aulas mais interessantes, conteúdos próximos do aluno. Deve aprimorar seu sistema de avaliação, adotar uma concepção de educação e a partir dessa concepção formular seu projeto pedagógico e seu critério de avaliação. Se a avaliação tiver uma concepção democrática, ela jamais estabelecerá um padrão único, estabelecerá, ao lado dos objetivos desejáveis, os objetivos essenciais. Deve conceber uma avaliação que não se feche, uma avaliação aberta, ampla, onde criatividade, inventividade, intuição tenham sua apreciação considerada.

O professor tem uma função complexa, singular, interdisciplinar, contextualizada. Complexa, porque precisa, entre outras, ter sensibilidade para perceber e acolher as diferenças individuais. Trabalhar segundo o nível e o ritmo de cada aluno, respeitar sua potencialidade; desenvolver habilidades e atitudes à medida que os alunos se apropriam do conhecimento. Precisa estabelecer coerência entre a metodologia de ensino e o conteúdo programático. Singular, porque não há duas classes iguais, dois alunos iguais ou dois professores iguais, cada um com sua história única. Interdisciplinar, porque o conteúdo de sua disciplina tem que estar interligado ao conteúdo das demais disciplinas do currículo, colaborando com a formação geral do educando. Contextualizada, porque seu conteúdo deve estar relacionado aos contextos sociais, culturais. O professor deve atuar em consonância à sociedade, à comunidade, à família, à experiência de vida dos alunos.

Se na escola tradicional, o professor era caracterizado por palavras como: “escultor”, “piloto”, “espelho”, “jardineiro”, hoje é por “investigador”, “reflexivo”, “experimentador”, “construtor”.

Pense nisso, professor!

* Supervisora de ensino aposentada.
(Publicado em maio de 2001)
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