Estudo da Unicamp revela impactos emocionais da dificuldade no aprendizado
O neuropsicólogo Ricardo Franco de Lima aplica teste em criança: acompanhamento é fundamental em casos de dislexia na infância
(Foto: Augusto de Paiva/AAN)
Crianças com o diagnóstico de dislexia têm mais chances de desenvolver os sintomas de depressão. É o que aponta o estudo desenvolvido pelo neuropsicólogo Ricardo Franco de Lima, apresentado no Departamento da Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Caracterizado pela disfunção no sistema nervoso central decorrente de uma falha no processamento das informações, o transtorno é identificado em 2% dos 350 pacientes atendidos todos os anos no Laboratório de Pesquisa em Dificuldades, Distúrbios de Aprendizagem e Transtorno de Atenção (Disapre).
Durante três anos, o pesquisador estudou um grupo de 61 crianças com idades entre 7 e 14 anos. “Elas foram divididas em dois grupos: 31 crianças com diagnóstico interdisciplinar de dislexia do desenvolvimento, avaliadas no Ambulatório de Neuro-Dificuldades de Aprendizagem do Hospital de Clínicas da Unicamp, e 30 crianças sem dificuldades de aprendizagem, avaliadas em uma escola pública da cidade de Campinas”, explica.
De acordo com Lima, a proposta do estudo se baseou em pesquisas internacionais que indicam que os indivíduos com dislexia ou com outros transtornos de aprendizagem são mais vulneráveis para o desenvolvimento de sintomas emocionais e de conduta.
A partir de diferentes instrumentos neuropsicológicos e psicológicos, o pesquisador avaliou sintomas depressivos e de conduta, além de diferentes funções cognitivas, como inteligência e atenção.
“Quando comparamos os grupos estudados, os resultados nos mostraram que houve diferenças significativas entre os grupos nos diferentes instrumentos utilizados. Também foram observadas correlações entre os sintomas depressivos o desempenho atencional e executivo, isto é, quanto mais sintomas depressivos, maior o prejuízo cognitivo”, afirmou.
Sintomas
De acordo com o estudo, as crianças com dislexia apresentaram repercussões emocionais, em função das dificuldades vivenciadas na escola.
“Isso quer dizer que o transtorno de aprendizagem constitui uma condição de risco. Por outro lado, crianças que possuem condições adequadas em seus contextos familiar, social e escolar são menos propensas a essas repercussões emocionais. Dessa maneira, uma somatória de fatores desencadeiam sintomas emocionais e de conduta que podem levar ao desenvolvimento de um transtorno psicológico, como a depressão”, ressalta Lima.
Entre os sintomas depressivos observados nas crianças com dislexia estavam sentimentos de culpa e preocupação, dificuldades para dormir, fadiga constante, problemas nas relações interpessoais, comparação de seu desempenho com o dos colegas, além do humor deprimido e sensação de inferioridade.
Lima esclarece que alguns fatores podem determinar maiores condições de sofrimento para as crianças com o transtorno, como a severidade da dislexia, sua associação com outras dificuldades, o diagnóstico tardio, situações repetidas de exclusão escolar e baixas condições de suporte para suas dificuldades.
Drama
Questionada a respeito de sua dificuldade, o estudante do 4° ano do Ensino Fundamental, M.B.F, de 10 anos, diz: “É ruim. Meus colegas escrevem os textos todos certos e eu escrevo tudo errado. Sinto-me menos inteligente do que eles”. K.G.S, de 12 anos, também demonstra tristeza quando fala dos problemas que enfrenta na sala de aula e com os colegas. “Tiram sarro de mim. Dizem que vou repetir de ano. Fico com raiva e conto para professora. Quando estão me irritando, eu bato neles”, diz.
O pesquisador ressalta que nem todos os indivíduos com dislexia desenvolverão algum transtorno psicológico secundário. “Apenas consideramos que esta condição é de risco e de vulnerabilidade, uma vez que o disléxico passa por mais situações de fracasso escolar.”
Parte do estudo de Lima será publicado no livro Dyslexia and Mental Health: investigations from differing perspectives, organizado pelo pesquisador inglês, que possui dislexia, Neil Alexander-Passe.
Ajuda especializada minimiza o problema
Por se tratar de um transtorno, não há tratamento para a dislexia, mas uma intervenção, com ajuda de especialistas, deve ser feita o mais rápido possível para que os resultados sejam melhores. “É preciso que os pais e educadores estejam atentos para as consequências emocionais do distúrbio na criança e ofereçam melhores condições de suporte e manejo das dificuldades que ela vivencia na escola”, afirma o neuropsicólogo Ricardo Franco de Lima, que apresentou o estudo na Unicamp. A principal intervenção é fonoaudiológica, uma vez que se trata de uma dificuldade relacionada à linguagem. São utilizados programas de remediação fonológica que visam minimizar os déficits apresentados pela criança e potencializar suas habilidades de modo que ela possa construir novas estratégias para a realização da leitura e escrita. Campinas conta com dois centros para diagnóstico do problema e intervenção especializada. São eles o Ambulatório de Neuro-Dificuldades de Aprendizagem do Hospital de Clínicas da Unicamp, coordenado pela professora Sylvia Maria Ciasca e o Centro de Investigação da Atenção e Aprendizagem (CIAPRE), coordenado por Cíntia Alves Salgado-Azoni. Na Capital paulista ainda há a Associação Brasileira de Dislexia (ABD).
O especialista alerta que, em outras regiões, é importante a procura por profissionais que sejam capacitados para o diagnóstico e também para fazer a intervenção necessária. “Devem ser profissionais das áreas de fonoaudiologia, psicologia, neuropsicologia e psicopedagogia. Além disso, as intervenções devem buscar ações que articulem não só o desenvolvimento da criança, mas também orientações para os pais e estratégias de manejo escolar”, explica Lima. (IM/AAN)
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