Psicólogo norte-americano, que estuda métodos de tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade alternativos ao uso da medicação, falou com exclusividade a CRESCER sobre suas descobertas
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, popularmente conhecido pela sigla TDAH, é um tema que gera bastante discussão e controvérsia entre pais, profissionais de saúde e educadores. Afinal, é mais uma daquelas doenças da moda? É um mal da vida moderna? É um problema real que precisa ser diagnosticado e tratado? E como tratá-lo?
Para discutir essas e outras questões, 195 médicos de especialidades como pediatria, psiquiatria e neurologia se reuniram em um simpósio sobre o assunto no final de semana passado (23 e 24 de junho), em São Paulo. Uma das intenções do encontro era levantar a importância de uma abordagem multidisciplinar no tratamento do TDAH, com intervenções com e sem medicamentos, para melhores resultados. “A prevalência de TDAH no Brasil é bem similar aos números mundiais, que indicam que o problema atinge de 3% a 5% das crianças em idade escolar. E cada vez mais é necessário discutir meios para que essas crianças recebam a medicação correta, no momento correto, e que a indicação seja feita para os pacientes que realmente precisam”, disse Marcelo Gomes, neuropediatra e gerente da área médica da Novartis.
Um dos especialistas convidados para o simpósio foi o psicólogo e professor norte-americano Dr. Jeffrey M. Halperin, que trabalha com o tema há cerca de 30 anos e já publicou mais de 100 estudos sobre o tema. O mais atual fala sobre um método de tratamento do TDAH que não faz uso de remédios, mas de exercícios e estímulos que devem começar quando a criança completar 3 anos.
Questionado pela CRESCER sobre a última pesquisa do Food and Drug Administration - órgão norte-americano que regulamenta alimentos e remédios -, publicada em junho pela revista científica Pediatrics, que apontou que o consumo de antibióticos nos Estados Unidos diminuiu, mas o de medicamentos para TDAH aumentou, Halperin disse não ficar surpreso. “Uma parte da população, em especial nas classes mais ricas, está realmente fazendo uso um pouco abusivo dos medicamentos e isso tem ocorrido principalmente em adolescentes. Por outro lado, crianças de classes mais pobres continuam sem diagnóstico e sem tratamento”.
Halperin explica que não é contra o uso de medicamentos. “Eles são, sim, necessários para muitas pessoas. O que defendo é uma terapia conjunta, para amenizar os efeitos e problemas causados pelo TDAH a longo prazo”, diz. Na entrevista abaixo, o psicólogo conta como acredita que isso seja possível e benéfico para os indivíduos com TDAH e suas famílias.
CRESCER: Como o senhor acredita que seja possível tratar o TDAH sem medicamentos?
Jeffrey Halperin: Não acho os medicamentos ruins ou um método errado. O que acredito ser o ponto fundamental da discussão é que o uso de medicamentos não tem um impacto real no desenvolvimento daquela criança a longo prazo. Muitas crianças com TDAH passam por dificuldades quando se tornam adolescentes e adultas. É exatamente no intuito de mudar o progresso da doença que estamos trabalhando. Se começarmos cedo, em vez de tratar um sintoma, talvez consigamos fazer o que eu chamo de intervenção preventiva. As intervenções que propomos são nas áreas que futuramente ficam problemáticas para quem tem TDAH e isso realmente faria diferença na vida dele no futuro.
C.: E como é esse método preventivo?
J.H: O que eu e outros neurocientistas que estudam o cérebro das crianças com TDAH acreditamos é que as crianças com esse distúrbios têm uma espécie de atraso no desenvolvimento de algumas funções cerebrais. Então, com uma intervenção precoce nós ajudaríamos a desenvolver o cérebro dessa criança. Se não para eliminar os sintomas de TDAH, pelo menos para diminuir sua severidade. Os estudos que têm sido feitos, com animais e com humanos, envolvem exercícios físicos, estímulos ao cérebro e enriquecimento do ambiente (mudar, alternar os estímulos ao qual a criança está exposta). Quando estudamos animais e colocamos brinquedos em suas jaulas, percebemos mudanças notáveis nos cérebros desses animais. Por isso, começamos a estudar os efeitos em crianças quando isso é feito muito precocemente, entre 3 e 5 anos. Se você faz essas mudanças cedo, tem efeitos positivos a longo prazo. Hoje, se usa com crianças mais velhas computadores para treinar a memória, a fixação de atenção. O que ocorre é que, às vezes, esses exercícios são cansativos e as crianças não querem fazer.
C.: Como fazer, então, com que esses exercícios não sejam vistos como entediantes?
J.H.: Estamos desenvolvendo jogos que não são tão diferentes daqueles comuns que as crianças brincam. São jogos que trabalham a atenção, a memória, as habilidades motoras e de planejamento. Estamos ensinando as crianças a brincarem com esses jogos. Então, quando elas vêm para o tratamento, se sentem em um grupo de brincadeiras. O trabalho pesado mesmo fica com os pais. Para eles, nós ensinamos os jogos com a seguinte proposta: eles precisam fazer com que seja muito divertido para seus filhos e precisam saber aumentar gradativamente o nível de dificuldade. Eles têm lição de casa: brincar com seus filhos por meia hora por dia. Também ajudamos os pais a incorporarem atividades do dia a dia ,como preparar as refeições e arrumar o quarto, no treinamento dessas habilidades de seus filhos (como atenção e memória). Além de melhorar a relação pai e filho, nós estamos desenvolvendo o cérebro da criança e, como efeito disso, reduzindo os efeitos do distúrbio.
C.: E quais resultados o senhor observou?
J.H.: Estou há três anos nesse trabalho. Nos dois primeiros, desenvolvemos o método. Depois, começamos os testes. No total, 29 pais e crianças participaram do estudo divididos em seis grupos e cada experimento durava de cinco a oito semanas. Medimos o comportamento das crianças no início, no final, um mês depois e três meses depois. Os resultados melhoraram muito e o mais empolgante é que a melhora se manteve depois. Isso é a modificação de comportamento. O que ocorre com os medicamentos é que, assim que você o suspende, o problema retorna.
C.: E quais os próximos passos?
J.H.: Precisamos fazer outros testes cegos, aqueles em que as crianças, pais e avaliadores não sabem se estão participando. De qualquer maneira é um bom começo, pois não esperávamos avaliações tão positivas dos professores.
C.: Para muitas pessoas, pode dar a impressão de que o TDAH é uma doença da moda, uma coisa da modernidade. É isso mesmo?
J.H.: Se você pesquisar a literatura científica, há descrições exatas de TDAH em 1902. O que faz o transtorno ser mais problemático hoje é que as crianças estão sempre em atividades e ambientes muito estruturados, com muitas regras, como passar horas seguidas diárias na sala de aula. Isso é muito difícil para crianças com TDAH, muito mais do que a vida livre de décadas atrás. Por isso imagino que os sintomas incomodem mais.
C.: Não existe uma cura ou uma possibilidade de a criança diagnosticada com TDAH não ser medicada então?
J.H.: Cura realmente não existe, é um problema crônico, como o diabetes, que precisa estar sempre sob controle. Mas, ao contrário do que se imaginava no início dos anos 80, quando comecei a estudar o tema, os sintomas não vão embora com a puberdade e a idade adulta. Eles permanecem e afetam o comportamento social. Nosso objetivo com nossas pesquisas é que esses sintomas fiquem mais amenos com o tratamento precoce. E que as crianças no futuro possam tomar medicamentos por menos tempo, ou, quem sabe, doses menores de medicamentos. É uma proposta de terapia combinada
Fonte: Revista Crescer
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